terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

CHAUÍ, Marilena. O que é ideologia? São Paulo: Brasiliense, 2001.




                                                                                         Edmar Alves da Cruz ¹

           
Marilena Chauí possui graduação em Filosofia pela Universidade de São Paulo (1965) Com especialização em Licenciatura pela Universidade de São Paulo (1965), mestrado em Filosofia pela Universidade de São Paulo (1967) e doutorado em Filosofia pela Universidade de São Paulo (1971). Atualmente é professor titular da Universidade de São Paulo. Tem experiência na área de Filosofia, com ênfase em História da Filosofia. Atuando principalmente nos seguintes temas: Imanência, liberdade, Necessidade, Servidão, Beatitude e Paixão. ²
   Na obra o que é ideologia, Marilena Chauí procura demonstrar a construção histórica e as leituras e releituras do conceito de ideologia no transcorrer da história.
 O ponto de partida é a antiguidade clássica e a teoria das quatro causas de Aristóteles.  Para Aristóteles todas as coisas estão em movimento, no sentido de mudança, em seus diversos aspectos: qualitativo, quantitativo, corrupção, locomoção.
 Na idade Média a teoria aristotélica das quatro causas é reinterpretada surgindo à causa material, causa formal, causa motriz e causa final. Um aspecto importante desta teoria tanto na idade média quanto na antiguidade clássica é a hierarquia estabelecida entre as causas.  A mais importante é a final e a menos importante e a motriz (responsável pela transformação da matéria).  Esta hierarquização, se levarmos em conta que tanto a sociedade grega quanto a medieval fundavam-se no trabalho de homens não livres, escravos e servos, respectivamente, demonstra o aspecto ideológico desta teoria.  
             Na idade moderna e com o advento do sistema capitalista a teoria das quatro causas é reduzida a apenas duas: a eficiente ou motriz e a final. Neste momento histórico, emergem o homem como síntese entre a “máquina” natural e uma vontade livre que age em função de fins livremente escolhidos.  “Neste contexto surgem dois atores de produção histórica o burguês e o trabalhador assalariado ambos, de acordo com o pensamento ideológico, livre”.
                Para Chauí, o positivismo de Augusto Conte dá a  ideologia dois  significados: atividade filosófica científica que estuda a formação das ideias a partir da observação das relações entre o corpo humano e o meio ambiente, tomando como ponto de partida as sensações; conjunto de ideias de uma época, tanto como “opinião geral” quanto no sentido de elaboração teórica dos pensadores dessa época. 
             Assim, para o positivismo o espírito humano possui três etapas de desenvolvimento: o Fetichista ou teológico, metafísico e científico.   Na ideia de progresso pregada pelo positivismo à sociedade deve ser guiada por teorias, estas devem submeter à prática a suas leis. Portanto, a política seria um exercício dos sábios e sua aplicação uma tarefa dos técnicos.   Mais uma vez emerge a ideologia.
             Para expor o conceito materialista dialético de ideologia, a autora descreve a “gênese” do pensamento marxista a partir da síntese da dialética idealista de Hegel.  Para Marx, Hegel revoluciona a história, pois considera que: A cultura é o real e o real não tem história é a própria história.  O Motor da história é a contradição (negação interna); O conhecimento da realidade exige que diferenciemos o modo como uma realidade aparece e o modo como é concretamente produzida. 
             Entre as ideias hegelianas conservadas por Marx em seu materialismo dialético destaca-se a de que a realidade é histórica e que por isso é reflexionante, ou seja, realiza a reflexão. Não obstante, Marx vai além afirma que a contradição (motor da história) não se dá no plano das ideias, espiritual, mas entre homens reais em condições históricas determinadas: a luta de classes.
             Outro conceito importante resgatado pelo pensamento Marxista e importante para o entendimento do conceito de ideologia e o de alienação entendida como a projeção da essência humana num ser superior, estranho e separado dos homens, um poder que os domina e governa porque não reconhecem que foi criado por eles próprios.  Indo além, tem-se o fetichismo onde as coisas existem em si e por sí (fetichismo mercadológico) e a reificação no qual os seres humanos são transformados em coisas.
              Nas palavras de Chauí, Alienação, fetiche e reificação são elementos que vivificam a ideologia, pois as atividades humanas começam a se realizar como se fossem autônomas ou independentes dos homens e passam a dirigir e comandar a vida dos homens, sem que estes possam controlá-las. São ameaçados e perseguidos por elas.
              Da tríade alienação fetiche e reificação nasce à ideologia propriamente dita significando o sistema ordenado de ideias ou representações e das normas e regras como algo separado e independente das condições materiais, visto que seus produtores – os teóricos, os ideólogos, os intelectuais – não estão diretamente vinculados à produção material das condições de existência.
            Desta forma, a ideologia é o instrumento ideal de dominação social.  No entanto, esta dominação deve ser dissimulada.  Para essa dissimulação é que aparece a figura do Estado sendo este, no aspecto ideológico de Hegel, a síntese do interesse geral, porém, Marx o coloca como a forma pela qual os interesses da parte mais forte e poderosa da sociedade (a classe dos proprietários) ganham a aparência de interesses de toda a sociedade. Em sua dissimulação é imprescindível ao Estado o direito, é ele que dará, através das leis, o caráter de impessoalidade e de anônimilidade ao Estado ideológico. 
 Outro viés da ideologia levantada pela autora é o da forma como as ideias da classe dominante se tornam ideias de toda a sociedade.    Neste processo, embora a sociedade esteja dividida em classe, algo imperceptível para a maioria dos membros da classe dominada, são consideradas validas, verdadeiras e racionais apenas as ideias da classe dominante.  Para dar legitimidade a este processo a divisão de classe é negada pela classe dominante, através de uma igualdade formal que dificilmente se materializa.
 Não obstante, para que as ideias da classe dominante irradiem em meio à classe dominada é fundamental os mecanismos de distribuição destas ideias, para isto são usados à religião, educação, costumes e meios de comunicação disponíveis, sendo este um dos mais eficientes.
 Após fundar o conceito de ideologia perpassando pelos diversos momentos históricos de aplicação e reconstrução deste conceito no transcorrer da história a obra solidifica em base materialista os principais fundamentos do fenômeno da ideologia na contemporaneidade.
Assim, a ideologia tem alicerces na divisão do trabalho (trabalho manual /intelectual) transparecendo autonomia do trabalho intelectual face ao trabalho manual.  Esta autonomia se converte em autonomia dos intelectuais pensadores.  As ideias, autonomizadas, produzidas desta separação parecem surtir efeitos, não somente sobre a classe dominada, mas sobre todos os homens.  
A leitura desta obra é de grande importância uma vez que possibilita um olhar mais crítico, além das aparências e, com isso, a percepção de que a pensamento ideológico encontra-se impregnado nos mais diversos campos de nossas vidas nos tornando “alienados” e massa da história, quando somos ou deveríamos ser sujeitos da história.